O PASSE DO TOUREIRO, A MULHER DE LOT E A ESPERANÇA

“Mas a mulher de Lot olhou para trás e se transformou numa coluna de sal”( Gn 16,26)

O grande Santo Agostinho ensina:

“ (…)Eis ao que nos exorta a esperança: a desprezar o presente e esperar no futuro, esquecendo o que fica para trás e voltando-nos para o que está à nossa frente, como o apóstolo, quando diz: um único objetivo persigo, esquecido das coisas que ficam para trás e voltando-me para as coisas que estão para diante, no intento de alcançar o prêmio do chamamento celestial de Deus em Cristo Jesus.

Nada, pois, mais contrário à esperança do que olhar para trás, ou seja, pôr a esperança nas coisas passageiras e efêmeras, em vez das coisas que ainda não nos foram dadas, mas que hão de ser e que, quando o forem, jamais passarão.

Ora, como o mundo abunda em tentações, qual chuva de enxofre de Sodoma, devemos temer o exemplo da mulher de Lot, pois ela olhou para trás e, quando olhou, ali mesmo ficou imobilizada. Ficou transformada em sal para que com o seu exemplo pudesse dar tempero aos prudentes. (…)”[1]

Na tourada, depois de determinados passes, é comum o toureiro virar de costas para o touro e não olhar para trás.

O toureiro dá um basta. Ele olha para frente com esperança, em busca de novos desafios e passes, o passado já era, segue dominado.

Neste exemplo (no segundo 14), depois de um belo “pase de pecho”, o toureiro dá as costas para o touro, demonstrando destemor e desprezo pelo animal:

O touro já está dominado. O corpo perdeu. A alma ganhou.

Para o católico, isto simboliza que as paixões e o passado restam subjugados.

Depois de confessados os pecados (se for o caso), já era, como se não existissem.

Relembrar, remoer, não esquecê-los é o “olhar para trás”. Pode ser novo pecado e mostra desesperança.

O sal é bom, porém em excesso é ruim, assim como as virtudes cardeais (temperança, prudência, justiça e fortaleza) que repousam na justa medida, no termo médio.  Justiça é um equilíbrio entre a misericórdia e a punição, esta em excesso já não é virtude, é vício.

A temperança deve regular a conservação e à transmissão da vida humana. Sodoma e Gomorra se excederam nestes quesitos, houve abuso, houve luxúria, houve destempero de sal.

A mulher de Lot olhou para trás. De alguma forma houve alguma sentimentalidade com as cidades condenadas. Por isso, foi punida, recebeu sal em excesso, se tornou estéril e morta.

Quem desordena a temperança, que serve à vida, receberá a morte. Por isso, o santo de Hipona disse que a mulher de Lot: “ Ficou transformada em sal para que com o seu exemplo pudesse dar tempero aos prudentes”.

Voltando ao toureiro, podemos dizer que seus passes magistrais são bem temperados, há sal na justa medida. E prudência.

Assim como os bons católicos, os bons toureiros não viram estátua de sal, não volvem para trás.

Fitam o futuro com esperança.

Marcelo Andrade

11/06/2013

[1]Pág. 93 e 94. “O De excidio  Vrbis e outros sermões sobre a queda de Roma”, Santo Agostinho. Editora Centro de Estudos Clássicos e Humanísticos, Coimbra, 2010