NAVIOS

O Museu Vasa, localizado na Suécia, é o museu mais visitado da Escandinávia e é muito afamado por causa de uma característica peculiar, ele contém o único navio (de nome Vasa) totalmente preservado do séc. XVII, cuidava-se de uma uma poderosa máquina de guerra, uma das mais poderosas embarcações de sua época e para os estudiosos desta temática, este museu é de vital importância..

O casco do Vasa é 95% original, mesmo tendo permanecido no fundo do mar por 333 anos até ser resgatado e restaurado, foi um grande feito da engenharia sueca reconhecido pelo mundo inteiro.

Em Portugal, por sua vez, a nação das grandes navegações que dominou os mares das índias por cem anos e que teve um inconteste pioneirismo náutico, não há nada remotamente similar ao Museu Vasa.

O Museu Marítimo português é repleto de maquetes, réplicas em miniatura, gravuras etc. Quem espera ver uma caravela legítima lá, terá uma grande decepção.

Mas, onde está o Frol de La Mar? O lendário barco do Leão do Mares , Afonso de Albuquerque? Naufragou em Málaca.

Cadê o Botafogo, que tinha 366 bocas de fogo de bronze e que ajudou na conquista de Túnis? Ninguém sabe.

Onde está o Pedro Nunes? Foi torpedeado.

Onde está a nau São Rafael de Vasco da Gama? Foi queimada.

E os de Cristóvão da Gama? Já eram…

E o Madre de Deus? Afundado em batalha.

O Santiago? Capturado.

O Santíssimo Sacramento? Enfrentou a sua última procela e naufragou.

A Nau Príncipe Real? Abatida em serviço.

O Padre Eterno? Sucumbiu numa tormenta invencível.

Sobrou alguma coisa das caravelas de Henrique, o navegador? Só  a vontade de reconstruí-las.

Nada de Diogo Cão? De Bartolomeu Dias? De Corte Real? De Martim Afonso? Só a memória de seus belos feitos.

Aliás, a história de Portugal poderia ser contada pelas naus destruídas ao longo de sua história, os navios do Portugal católico de outrora foram construídos para os mares, para as missões, para expandir a fé e o Império, foram usados até o limite. Estas embarcações não foram feitas para satisfazer a curiosidade de turistas nem para vender ingressos.

Bom, e o Vasa sueco? Por onde navegou afinal, em que batalhas atuou? Quais foram suas conquistas e glórias?

Ele nunca navegou porque naufragou logo após ter sido lançado ao mar.

 

Marcelo Andrade, 30 de julho de 2016

OS ÚLTIMOS DE FILIPINAS: OS PRIMEIROS EM BRAVURA

À memória dos heróis do Sítio de Baler

 

O desfecho da guerra Hispano-Americana de 1898, uma “guerra de encomenda”, teve um triste desfecho para a Espanha O império que um dia nunca via o sol se pôr, com o passar dos tempos, viu diminuir seu tamanho (principalmente com a perda de quase todas as colônias da América) e nessa infeliz guerra, perdeu Cuba, Porto Rico, Filipinas e Guam. A Espanha conheceu o ocaso (nos dois sentidos da palavra). Restariam apenas algumas pequenas colônias africanas.

Nas Filipinas, setores revoltosos, organizados em sociedades secretas, lutaram contra a Espanha a partir de 1896, e com a eclosão da Guerra Hispano-Americana em 1898, os revoltosos passaram a contar com a ajuda americana e neste mesmo ano foi selada a derrota espanhola e foi instalada a primeira república filipina. Porém, em 1899, os EUA não aceitaram a independência filipina e se desentenderam com o governo, deste modo, os EUA resolveram lutar contra a própria nação, que supostamente estavam ajudando, foi o início da Guerra Filipino-Americana (1899-1902).

Durante essa guerra, os EUA, que saíram vencedores, agiram brutalmente contra os filipinos, praticaram o que ficou conhecido como o “genocídio filipino”, no qual algum número entre 5% a 10% da população morreu por causa dela. Massacres e torturas (como a “prova d’água”) foram empregados em grande escala. Na ilha de Samar, por exemplo, o general americano Jacob Smith ordenou o extermínio de todos os filipinos com idade acima de 10 anos.

Os americanos instalaram campos de concentração, ou melhor, “campos de morte” e deslocaram milhares de aldeões, tudo isto causou doenças e muita fome entre os locais. Muitas construções do belo estilo barroco-filipino, incluindo igrejas, foram destruídas. O que os EUA fizeram lá lembra o que fizeram contra os índios em seu próprio território. E é claro, o ódio americano foi aumentado por serem os filipinos católicos.

A Espanha que salvou milhões de filipinos da selvageria e do paganismo, dando a eles o sabor da civilização e a religião católica é que era a “malvada”, “bom” mesmo eram os EUA, a nação próspera do “destino manifesto”, adorada pelos liberais, que exterminou boa parte da população filipina.

Curioso notar que este lamentável episódio da história americana é sumamente ignorado pela historiografia.

Neste contexto de Guerra Hispano-Americana aconteceu o que ficou conhecido como “Os últimos de Filipinas”, no qual um grupo de militares espanhóis resistiu bravamente durante o “sítio de Baler”.

Na costa oriental da ilha de Luzón, num vilarejo de nome Baler, um grupo de 58 homens se aquartelou na Igreja de São Luis de Tolosa, de 300 metros quadrados, prevenindo-se de ataques iminentes, entre eles, estavam o pároco local e um médico tenente. Esta igreja já tinha sido usada como fortaleza um ano antes. Era o dia 1 de julho de 1898 e o superior era o capitão Enrique Las Morenas.

Os combates não tardaram a começar e sem sucesso na conquista da igreja-casamata, os filipinos tentaram convencer os espanhóis a se renderem, alegando que que a armada espanhola já havia perdido a guerra. Las Morenas recusou todos os apelos.

Os combates prosseguiram dia a dia, depois semana a semana, depois mês a mês… e alternavam-se os períodos de fúria e de calmaria e houve muito vai e vem de forças filipinas.

No dia 20 de agosto, os filipinos enviaram dois padres franciscanos para tentar convencer os espanhóis a se renderem: Minaya e Lopez, que não só não convenceram Las Morenas a se render, como foram convencidos a ficar. Tal fato irritou os filipinos, que prosseguiram nos tiros e mais tiros em direção à igreja-casamata.

Algum tempo depois, Las Morenas morreu de disenteria ou de beriberi, e longe de abaterem, os espanhóis continuaram a resistência, no seu lugar assumiu Martin Cerezo, um homem conhecido por não ter vícios e ser “testarudo”.

Olmedo, um oficial espanhol, enviado pelos filipinos tentou convencê-los a se renderem, porém, como estava trajado a apaisana e era conhecido de Las Morenas e não de Cerezo, não houve rendição.

Martin Cerezo ordenava que sempre se cantassem músicas de fiestas no fim dos dias, fato que muito surpreendeu os inimigos. E nas datas religiosas havia comemoração, assim foi no dia 8 de dezembro, dia da Imaculada Conceição e na noite de natal fizeram uma refeição “especial” com abóbora, laranja e café e realizaram uma fiesta, contaram até com o uso de alguns instrumentos musicais.

Os espanhóis tinham de sair nas madrugadas para caçar animais e colher frutas ou vegetais, também contavam com uma “horta” improvisada num “quintal”.

Em março de 1899, os filipinos utilizaram um canhão para o ataque e de posse dele conseguiram derrubar o teto da Igreja, acharam que haviam vencido, e de repente viram um mastro subindo, seria a “bandeira branca”? Não. Era a bandeira espanhola toda remendada, afinal como está no lema da estátua de Carlos V, no Alcácer de Toledo:

“Se eu cair, levanta primeiro meu estandarte”

No final de maio de 1899, chegou a haver combate corpo a corpo num canto da Igreja-casamata.

Porém, nos últimos dias de maio de 1899, um oficial espanhol, o coronel Aguilar chegou à igreja-casamata e pediu para falar com o superior Cerezo, e lhe diz que a Espanha perdeu de fato a guerra e há ordens para fazê-lo se render e lhe mostra jornais comprovando os fatos.

Cerezo voltou à igreja-casamata e reuniu-se com os outros sitiados, que resolvem, então, entregar-se, mas não incondicionalmente, Cerezo apresentou as exigências aos filipinos que aceitaram:

 

En Baler a los dos días del mes de junio de mil ochocientos noventa y nueve, el 2.º Teniente Comandante del Destacamento Español, D. Saturnino Martín Cerezo, ordenó al corneta que tocase atención y llamada, izando bandera blanca en señal de Capitulación, siendo contestado acto seguido por el corneta de la columna sitiadora. Y reunidos los Jefes y Oficiales de ambas fuerzas transigieron en las condiciones siguientes:
Primera. Desde esta fecha quedan suspendidas las hostilidades por ambas partes beligerantes.
Segunda. Los sitiados deponen las armas, haciendo entrega de ellas al jefe de la columna sitiadora, como también de los equipos de guerra y demás efectos pertenecientes al Gobierno Español.
Tercera. La fuerza sitiada no queda como prisionera de guerra, siendo acompañada por las fuerzas republicanas a donde se encuentren fuerzas españoles o lugar seguro para poderse incorporar a ellas.
Cuarta. Respetar los intereses particulares sin causar ofensa a personas.

Y, para los fines que haya lugar, se levanta la presente acta por duplicado, firmándola los señores siguientes: el teniente Coronel de la columna sitiadora, Simón Tecson. El Comandante, Nemesio Bartolomé. Capitán, Francisco T. Ponce. Segundo teniente, comandante de la fuerza sitiada, Saturnino Martín. El médico, Rogelio Vigil.

Os heróis saíram da Igreja com suas armas sobre os ombros (só as depuseram um pouco mais adiante) e os filipinos apresentaram as suas armas a eles, num gesto de honraria e de reconhecimento do feito. Era o dia 2 de junho de 1899.

Ficaram ao todo na Igreja sitiada 337 dias!

Resultado do sitio: do lado espanhol, as baixas foram: 17 mortos, 15 devido às doenças beribéri e disenteria e apenas dois mortos devido a ferimentos causados pelos combates; do lado filipino, as baixas foram, entre mortos e feridos, talvez mais de 500.

Tamanha bravura impressionou o presidente filipino Aguinaldo que publicou o seguinte decreto:

Habiéndose hecho acreedoras a la admiración del mundo las fuerzas españolas que guarnecían el destacamento de Baler, por el valor, constancia y heroísmo con que aquel puñado de hombres aislados y sin esperanzas de auxilio alguno, ha defendido su bandera por espacio de un año, realizando una epopeya tan gloriosa y tan propia del legendario valor de los hijos del Cid y de Pelayo; rindiendo culto a las virtudes militares e interpretando los sentimientos del ejército de esta República que bizarramente les ha combatido, a propuesta de mi Secretario de Guerra y de acuerdo con mi Consejo de Gobierno, vengo a disponer lo siguiente:

Artículo Único.

Los individuos de que se componen las expresadas fuerzas no serán considerados como prisioneros, sino, por el contrario, como amigos, y en consecuencia se les proveerá por la Capitanía General de los pases necesarios para que puedan regresar a su país. Dado en Tarlak a 30 de junio de 1899. El Presidente de la República, Emilio Aguinaldo. El Secretario de Guerra, Ambrosio Flores.

Se até o inimigo reconheceu a bravura deles, comparando-os com heróis da Reconquista, como contestá-la? Foi uma grandiosa “derrota com sabor de vitória”. Assim, foi a excelência militar espanhola, que mesmo quando perdeu houve uma honra enorme.

Em Barcelona, na chagada, os sitiados de Baler foram recebidos como heróis e indagado pela imprensa acerca do seu feito, deveras espetacular, Cerezo apenas respondeu: “Não fiz nada mais que a obrigação”.

Todos os heróis receberam várias condecorações, entre elas o de serem “caballeros cubiertos delante del rey”, uma distinção que consistia em não ter a obrigação de tirar o chapéu na presença do monarca espanhol, o que de fato aconteceu quando Afonso XIII recebeu alguns heróis e eles não tiraram os seus chapéus.

Marcelo Andrade

 

CÓRDOBA: SABOR DE VITÓRIA

catedral

Fig.1 A Mesquita-Catedral, vista da ponte romana, tendo o “Triunfo de São Rafael” à direita.

 

 

No tempo do Califado de Córdoba, Almanzor, caudilho muçulmano, aterrorizou os católicos por meio de 56 campanhas militares contra as cidades católicas do norte da Península Ibérica. Como estas expedições eram violentas e próximas do ano 1000, não faltou quem acreditasse que se vivia no fim dos tempos.

Numa destas campanhas, ele saqueou Santiago de Compostela e roubou os sinos das igrejas desta cidade (também levou embora sinos de outras cidades), obrigando os católicos cativos a carrega-los até Córdoba, onde foram transformados em lampadários e em portas da mesquita principal da cidade, a segunda maior do mundo que perdia apenas para a de Meca.

Almanzor só não vandalizou o túmulo do apóstolo porque ficou impressionado com a piedade de um monge que rezava abraçado ao sepulcro.

 

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A cidade de Córdoba foi fundada pelos romanos em 169 A.C. e tornou-se a capital da Hispânia Bética. A grande figura, natural desta cidade e deste tempo foi Sêneca. Após as migrações bárbaras e a conversão de toda a Península Ibérica, a cidade tornou-se católica, pertencente ao Reino Visigótico.

Em 711, as hostes mouras invadiram a Península Ibérica,  derrotaram o exército do Reino Visigótico, que acabou por desaparecer completamente, e estabeleceram a sua capital em Córdoba. No apogeu, a cidade teve mais de 400.000 habitantes. Averróis foi uma das grandes figuras desta época de domínio islâmico nascida nela.

Os católicos que viviam na capital do califado tinham de morar em bairros extramuros e eram cidadãos de segunda classe, não tinham os mesmos direitos dos islâmicos e muitas vezes eram acossados. Os judeus, porém, eram aliados dos mouros e viviam intramuros, Maimônides foi um expoente desta comunidade.

No séc. IX, Santo Eulógio e outros bravos católicos foram perseguidos pelos mouros e foram martirizados. Santa Flora disse na frente do juiz muçulmano que Maomé era adúltero, feiticeiro e bruxo e Santa Maria de Córdoba, na cara do mesmo juiz, disse que o islamismo era uma invenção do demônio.

Em 1236, a cidade foi reconquistada por São Fernando III, rei de Castela e Leão, pondo fim a séculos de domínio mouro.

 

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Córdoba é encantadora.

As ruas labirínticas da cidade antiga, com as casas brancas e os patios sempre decoradas com flores, vencem facilmente em simpatia e em charme o urbanismo moderno com suas ruas pseudorracionais destinadas aos automóveis.

 

patios

Fig 2. Patio de Córdoba

 

Os interessantes bares de tapas (são encontrados em boa parte da Espanha, mas são mais típicos da Andaluzia), sempre alegres, são normalmente decorados com peças de Jamon Serrano penduradas e com fotos de touradas espalhadas pelas paredes. Estes bares, por comparação, derrotam sem piedade os “restaurantes de fast-food” e sua ambiência humilha as calamitosas “praças de alimentação” modernas. Assim, o vinho fino de Montilla-Moriles (região vinícola da província de Córdoba), com sua personalidade marcante, destroça a irracionalidade da Coca-Cola e das bebidas similares. Las tapas, como o jamon, a carrillada etc reduzem a pó o “gosto de isopor” dos hambúrgueres do Mcdonalds e similares.

A Plaza de Toros (presente em boa parte das cidades espanholas) mostra a corrida de toros que vence com facilidade, como espetáculo, os demais esportes como o futebol, o basquete etc. e também desafia o mundo moderno, contrastando suas frescuras, como o delirante “direito dos animais” e o “ecochiismo”.

Na Plaza de las Tendillas há uma bela estátua de El Gran Capitán, nascido na província de Córdoba, o que faz lembrar as esplêndidas campanhas militares dele que ajudaram a Espanha a ser uma potência mundial.

O arcanjo São Rafael é o padroeiro da cidade, ele apareceu várias vezes para o padre Roelas no séc. XVI e prometeu salvar – e de fato salvou- a cidade de uma peste, por isso, espalhadas pela cidade há imagens do “Triunfo de São Rafael”.

A antiga mesquita possui mais de 150 “arcos de ferradura”, erroneamente ensinados como sendo de invenção islâmica, na realidade, são criação visigótica, de modo que muitos arcos foram tirados de antigas igrejas visigóticas e instalados lá. Após a reconquista da cidade, a antiga mesquita se tornou catedral e uma construção, de planta de cruz latina, foi erguida na parte central da antiga mesquita, muitos arcos foram preservados e capelas laterais foram construídas também. É o do tipo de edificação única no mundo.

arcos

Fig3.  Os belos arcos de ferradura na Mesquita-Catedral, de origem remota visigótica.

 

Vista da ponte romana, onde às vezes pode-se ouvir uma buleria vencendo o silêncio, o corpo principal da catedral ergue-se acima das muralhas da antiga mesquita e como que rompendo o teto desta, sobrepõe-se soberana e majestosa, assim como a Religião Católica se impõe como a única verdadeira sobre as demais religiões.

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São Fernando, ciente da história dos “sinos roubados”, ordena, logo após a reconquista da cidade, que os antigos sinos sejam reconstruídos e obriga os mouros cativos a levarem-nos de volta para Santiago de Compostela.

 

Córdoba tem sabor de vitória.

 

São Rafael, São Fernando III e os mártires de Córdoba, rogai por nós.

 

Marcelo Andrade, 2 de janeiro de 2020

OS FORCADOS

forcados

 

Os forcados como imagem de Portugal, coragem em estado puro, na qual o “forcado de cara” deve chamar, enfrentar o touro de mãos desapercebidas e segurar a fera pela cabeça até receber a ajuda dos outros forcados. Esta é a figura do Portugal onde a fé sempre há de permanecer, o Portugal de Vasco da Gama, de Afonso de Albuquerque, de Francisco D´Almeida, de Salvador de Sá que nunca se assustaram ante a força de seus inimigos nem ante o tamanho das tormentas do além mar.

Portugal na frente dos touros!

 

Por Nossa Senhora de Covadonga e de Fátima!

Por Santiago!

ps: VIDEO:

O CAVALO

O CAVALO.png

Puro sangue lusitano (PSI), um “cavalo de rei em dia de triunfo”, como se diz em Portugal.

O CAVALO

Homem tem belo oficio

se usa o corcel como eleição

e só conhecerá beneficio.

 

De rédeas na mente e na mão,

a montaria é vero tesouro,

andar elegante e  tradição.

 

O cavalo é número de ouro,

porte digno  e incontroverso,

nobreza em todo logradouro.

 

Há classe até no passo reverso,

o trote inspira boa oratória,

o  galope é digno de verso.

 

Heróis forjaram sua história,

do covarde e do feio é apartado,

onipresente na luta e na glória.

 

O equino todo dominado

é algo  espiritual  e brioso,

como corpo pela alma domado.

 

Existe transporte mais ditoso?

Na apartação e na tourada,

ele é corajoso e  operoso.

 

Incansável na jornada,

dorme de pé com alteridade,

jamais salta em retirada.

 

E coiceia a mediocridade.

 

Marcelo Andrade

Junho de 2018

 

PS: cavalo em ação na praia de Doñana:

NA ARENA

touro voador

 

NA ARENA

 

 

A vida é uma tourada real,

o touro é o século e a inglória,

parece invencível e brutal.

 

Mas, à Rainha do céu e da glória,

sujeito-me com toda força e amor

e suplico , emprestada, a vitória.

 

Pois, só possuo miséria e dor,

não tenho triunfo nem verdade.

O bem só tem um dono, é do Criador.

 

Na arena da vida, com humildade,

quero enfrentar o mundo e a paixão,

apesar da pecabilidade.

 

Com a serena e segura mão,

receber o touro com leveza,

dominando sua explosão.

 

Com engenho, arte e beleza ,

subjugar o erro e o sofisma,

fazer disto a minha realeza.

 

Valer o sacramento do crisma,

só há de vir céu ou inferno ardente,

nada conhecer sob outro prisma.

 

Dar passe de capa, curvo e prudente,

recusando o erro e junto do acerto,

tal como a Evangelical  serpente.

 

Na hora do tropeço e do aperto,

ter a fortaleza de levantar

e jamais gostar do desacerto.

 

Para trás, não volver nem olhar,

nunca virar estátua de sal,

e o pecado e a ilusão jamais fitar.

 

Só sacar a espada de metal,

por justa causa, nunca por vício,

mas não guardar sem honra ao final.

 

Para o homem, o vero ofício,

não é gozo nem luxo a granel

é pelo Alto fazer sacrifício.

 

A existência é luta sem quartel,

se a vida é para a justa batalha

e se é ao único credo,  fiel:

 

Deus nos dará segura mortalha.

 

Marcelo Andrade, junho de 2018

CARTAS I – A ORDENAÇÃO DOS ANIMAIS AO HOMEM

Recebi, por meio do amigo Eder de Campo Grande, uma série de cartas (e-mails) desaforadas, em razão de uma defesa que fiz das touradas. Tais cartas revelam o baixo nível intelectual do mundo em que vivemos, no qual as pessoas são incapazes de argumentar e logo partem para os turpilóquios.

Responderei as cartas genericamente, em duas partes, mostrando porque a tourada é legítima, de forma resumida.

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Parte I- A ordenação dos animais ao homem:

De acordo com S. Tomás:

– “A caça dos animais das florestas é justa e natural” (Aristóteles). I, Q. 96, a1.

– “Os seres mais imperfeitos são postos à disposição dos mais perfeitos”. II-II, q. 64, a.1, rep

– “Por uma ordem justíssima do Criador, a vida e a morte desses seres (animais e plantas) estão a nosso serviço” (S. Agostinho) II-II, q. 64, a.1, sol. 1.

No mundo, dito selvagem, os vegetais servem aos animais e os animais mais fracos servem aos mais fortes. E todos eles devem se submeter ao homem.

Deus criou-os para servirem ao homem, seja materialmente seja espiritualmente, neste caso, ensinando símbolos de virtudes e vícios.

Muito melhor do que deixar um touro viver e morrer no pasto, é colocá-lo na arena para o belíssimo espetáculo simbólico da tourada. Para isto foi feito.

Assim como é bem mais útil ter um computador realizando tarefas do que ele estar desligado.

Todos os animais são substâncias viventes, sensíveis e não racionais (definição tomista).

O homem é uma substância vivente, sensível e racional (definição tomista).

Entre o ser racional e o não racional há um abismo enorme, de forma que os dois têm natureza diferente.

Como o Direito nasce da natureza racional do homem, os animais não tem direito nenhum, pois são irracionais. A lei natural vincula-se ao homem, por ser racional. (Ver I-II, Q.90 e seguintes.)

Os animais, portanto, não direito de viver, de comer, ao bem estar etc.

E também, os animais não são objeto da caridade. Esta virtude, tão mal compreendida, tem por objeto Deus e os homens, nunca seres irracionais. (II-II, q.25, a.1)

Assim, alguém que “salva” um animal da morte não faz caridade nenhuma.

Os animais agem por instinto e podem ser treinados para salvar vidas ou para matar. Por isso, não há mérito na ação deles nem “culpa”.

O homem, que tem alma imortal, irá para o céu ou para o inferno. Os animais não irão para lugar nenhum.

Nos seis exemplos abaixo relacionados, temos casos nos quais é absolutamente legítima a morte dos animais e envolvem certa “crueldade” contra eles. E se relacionam com as necessidades materiais do homem.

1) Alimentação.  Um homem mata uma galinha na floresta para se alimentar.

2) Causa econômica. Um suinocultor vende porcos para o abate e com isto recebe dinheiro para sustentar a família dele.

3) Higiene e saúde local.  Ratos estão empesteando uma casa,  dono compra um veneno para matar os animais.

4) Saúde em geral. Cobaias em laboratório. Biólogos fazem experimentos com a finalidade de desenvolver um medicamento que servirá para a saúde da população.

5) Defesa de um bem. Um pastor matou um lobo porque este atacava as ovelhas

6) Roupa. Matar um “vison” para fazer um casaco.

Na caça e na tourada, estão envolvidos o lado material e o espiritual do homem:

1) “Caça esportiva”. Prática feita há milênios, visava treinamento militar, formação de caráter e simbolizava o controle da alma sobre o corpo. Havia regras a serem seguidas, rituais etc. incidentalmente, a caça gera lucros e empregos e resultava em alimentação (itens 1 e 2). Mesmo que a caça fosse neutra em relação ao lado espiritual, ela seria legítima, pois, abriga os itens 1 e 2, do elenco supracitado.

2) Tourada. Relaciona-se com a caça e vai mais além, na simbologia. Elevando à potência máxima a ordenação dos animais ao homem. Como a caça, incidentalmente, a tourada gera lucros e empregos e resulta em alimentação (itens 1 e 2). Mesmo que a tourada fosse neutra em relação ao lado espiritual, ela seria legítima, pois, abriga os itens 1 e 2, do elenco supracitado.

Vemos que os oito casos seguem o mesmo princípio: da ordenação do inferior ao superior.

Há outros casos de “maltratos” que não envolvem morte, como por exemplo:

1) Andar a cavalo. Durante milênios, os homens andaram a cavalo, maltratando os animais com horas e horas a fio de cavalgadas.

2) Tosquiamento de animais lanígeros . Durante séculos os carneiros têm sua lã retirada.

3) Injeção de veneno de cobra em equinos para obtenção de soro antiofídico.

4) Trabalho. Durante milênios se usam muares e bois para arar a terra e transportar mercadorias.

Diferente é o caso de se maltratar um animal sem razão. Neste, a conduta deve ser punida, não por causa do animal, pois, este não tem direito.

A conduta deve ser punida porque a crueldade, sem ordenação a nada elevado, se operou por pura maldade e/ou sadismo.

De modo similar, não se pode matar os animais a esmo, sem razão, não por causa deles, mas porque direitos de terceiros seriam violados.

Defender os “direitos” dos animais e/ou sua igualdade aos homens não é um valor humanista, mas sua negação. Já que seria tratar um homem como um animal.

Está escrito: “Não é bom tomar o pão dos filhos e lançá-lo aos cães” (Mt XV, 26) e “não deis aos cães o que é santo, nem lanceis aos porcos as vossas pérolas” (Mt VII, 6).

Defender os animais como se fossem homens é propor o colapso da sociedade, já que a vida seria dificílima sem a sujeição deles aos homens.

Ser “bonzinho” com os animais é fazer mal aos homens, pois, ao emprestar “direitos” aos seres irracionais, está-se tirando reais direitos de alguém.

E a “crueldade” é inerente à sujeição do inferior ao superior, não há como matar e injetar veneno de cobra em um equino sem um mínimo de dor, por exemplo.

E por que há uma escolha, por mero capricho, dos animais a serem protegidos? Os cães são sempre os primeiros a serem defendidos e depois os touros.

Por que ninguém defende os ratos dos raticidas?

Outra curiosidade é: por que ninguém fala nas obrigações dos animais? Assim como eles teriam “direitos” segundo seus defensores, porque não teriam a contrapartida das obrigações? Por que não poderiam ser “punidos” e só “premiados”?

Por questão de coerência, os que são contra a “crueldade” feita contra os animais e defendem os “direitos” deles:

1) Não poderão comer carne de animais nem peixe nem nada que viva.

2) Não poderão usar lã

3) Não poderão  comer nada que tenha ovos de galinha, incluindo doces e massas que tenham ovos em sua composição. Os ovos, afinal, contém o embrião.

4) Defenderão que as pessoas que vivam de exploração de animais, por exemplo, os suinocultores, abandonem suas profissões.

5) Se forem picados por cobras não poderão usar soros nem tomar remédio advindos de uso de testes em animais, em laboratório.

6) Não poderão beber leite, já que isto é furtar um produto das vacas nem poderão comer laticínios nem queijos.

7) Não poderão andar a cavalo nem usar raticidas.

Etc.

Ser contra as touradas, ser contra o uso de animais em laboratório etc, sem adotar as condutas supramencionadas é pura incoerência.

E São Francisco de Assis? Não chamou os animais de irmãos?

A grandeza deste santo é proporcional à deturpação que fazem de sua biografia.

São Francisco era antiecumênico, enfrentou o sultão Malek e era a favor das cruzadas.

É verdade que chamou os animais de “irmãos”, ainda que “irmãos inferiores”.  Porém, também chamou de irmãos: o sol, o vento, o fogo, a morte corporal etc. (ver “cântico das criaturas”).

Para São Francisco, os animais são nossos irmãos assim como a morte corporal. Ele estava se referindo a toda a obra da criação e não a “irmão” em sentido estrito. Se assim fosse, além de lutar pelos animais teria de se lutar pelos direitos do “vento”.

Parte II – Justificativa da tourada pela história.

A ligação da Península Ibérica (Portugal e Espanha) com a tourada é intensa e varre muitos séculos, englobando toda a sociedade, o chamado “três estados” (Clero, Nobreza e Terceiro Estado)

Assim, a nobreza sempre disputou e apoiou torneios e os membros da família real tanto portuguesa quanto espanhola eram versados na arte da tauromaquia.

A população em geral (o “terceiro estado”) também era (e é) aficionada.

E o liame da Igreja da Península Ibérica com a tourada é bem mais estreito do que parece à primeira vista.

Nas festas religiosas e nas comemorações de canonizações sempre havia muitas touradas.

Na comemoração da canonização de Santa Teresa de Ávila, por exemplo, em 1614, foram sacrificados mais de duzentos touros em dezenas de corridas.

Igualmente ocorreram faenas quando foram canonizados santos como  Francisco Xavier,  Luiz Gonzaga etc.

E isto se estendia em todo o Império espanhol. Em Lima, por exemplo, no começo do séc. XVII, os dominicanos organizaram uma grande festa para celebrar a canonização de São Domingos de Peñafort.

Às vezes, as celebrações cruzavam as fronteiras. Em Roma, em 1492, para celebrar a conquista de Granada, realizaram-se corridas, presididas pelo cardeal espanhol Rodrigo de Borja, que se tornaria mais tarde papa.

Muitas “ganaderias” foram propriedade de religiosos, como a dos cartuxos, a dos jesuítas e a dos dominicanos, na Andaluzia. E estes religiosos promoviam várias corridas. Bispos abençoavam as arenas e assistiam ao espetáculo. Alguns deles até chegaram a construir “plazas”.

No séc. XIX algumas das melhores “ganaderias” eram de religiosos.

Em Portugal, as Santas Casas de Misericórdia possuíam e possuem várias arenas de touros. E assim, como na Espanha, havia touradas nas comemorações e festas religiosas. E muito das rendas obtidas pelas “fiestas” eram revertidas em prol de obras de caridade.

No Brasil também houve touradas no passado, assim como nas colônias portuguesas africanas , em Goa e em Macau.

Em épocas mais recentes, sabe-se que Monsenhor Escrivá assistiu a touradas no começo do séc. XX.

Diz-se que o exemplo arrasta. Pois bem, o exemplo da Igreja na Península Ibérica é pela licitude e pelo alto valor da tauromaquia.

A tourada pertence à alma ibérica, região que produziu muitos santos, mártires e heróis. E que por meio da colonização, converteu boa parte do mundo.

Mais ainda que o apoio, que os religiosos davam e dão à tourada, é interessante entender a harmonia que se vê entre a religião e a tourada, pois ambos representam a sujeição do inferior ao superior, do corpo à alma. Assim como o touro é sacrificado para o homem, nós devemos nos sujeitar a Deus e sacrificarmos, se for o caso, nossa vida por causa Dele. A tourada pode muito bem ser um símbolo do martírio.

A decadência dos valores católicos, em nosso tempo, é proporcional à aversão às touradas.

Triste mundo que é contra a tourada e não entende esta nobre arte, mas que quer o aborto.

Triste mundo que aderiu a um sentimentalismo raso em relação aos animais.

Marcelo Andrade, 11 de novembro de 2013.